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Professor do Colégio Montessori analisa tema da redação do Enem 2020

Em meio a tantas incertezas e perigos gerados pela pandemia, os estudantes brasileiros tiveram uma grata surpresa: o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020. Falar sobre “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira” é algo tão importante e necessário que beira a obviedade. A partir dessa perspectiva, é válido afirmar que inúmeros candidatos tiveram facilidade ao desenvolverem seus respectivos textos.

O tema abordou dois eixos temáticos distintos: comportamento (estigma) e saúde (doenças mentais). Este, apesar de vasto e essencial, nunca havia sido cobrado – pelo menos não na redação –, enquanto aquele já foi explanado em mais de uma oportunidade, a exemplo das edições de 2015 (violência contra a mulher) e 2016 (intolerância religiosa e racismo).

Certamente, a escolha da proposta de redação sofreu influências relacionadas ao alarmante número de pessoas que sofrem de depressão – doença psiquiátrica tão séria que é chamada de “mal do século” –, mas que substancial parcela da população continua ignorando (como consta no texto 3 da coletânea). Além disso, discussões acerca de doenças mentais foram intensificadas durante a pandemia, visto que esse problema se tornou ainda mais evidente. É interessante ressaltar, ainda, que a aplicação da prova ocorreu justamente em janeiro, mês em que se discute enfaticamente a importância de cuidarmos da saúde mental.

Quanto aos aspectos mais técnicos da redação, é importante frisar que, novamente, o tema exigiu muita atenção dos candidatos devido ao risco de tangenciamento. Esse problema pode ocorrer caso o aluno não tenha se atentado ao recorte “estigma”, que, basicamente, significa preconceito. Nesse sentido, os estudantes mais atentos, decerto, tiveram o cuidado de relacionar os argumentos (teses) e a proposta de intervenção a esse imprescindível detalhe da problemática, isto é, a associação entre os estereótipos e as doenças mentais.

Com base nesse cuidado quanto à análise do tema e à escolha dos argumentos, dos alunos que se atentaram a esse detalhe, podemos esperar textos que dissertem, por exemplo, sobre preconceito cultural, omissão estatal, falta de consciência de grande parte dos cidadãos, desigualdade social, insuficiente abordagem do tema tanto por parte da mídia quanto da própria sociedade e silenciamento social.

Outrossim, para dar embasamento aos seus argumentos, os candidatos poderiam ter utilizado o conceito de habitus, do sociólogo Pierre Bourdieu; os artigos 6° e 196 da Constituição Federal de 1988; o fato de que, no século XVIII, o psiquiatra Philippe Pinel desenvolveu estudos os quais contribuíram para que os distúrbios mentais fossem tratados com viés científico; o filme “Coringa (2019)”; a segunda geração do Romantismo; o conceito de Invisibilidade Social, da filósofa francesa Simone de Beauvoir; o conceito de Contrato Social, do contratualista John Locke; a obra “O Alienista”, do célebre escritor Machado de Assis; além de outros repertórios socioculturais.

Em relação à proposta de intervenção, os candidatos poderiam ter sugerido, por exemplo, facilitações no processo de inclusão social dos indivíduos que possuem doenças mentais, o que minimizaria os estigmas; maiores – e melhores – investimentos no tratamento de distúrbios psiquiátricos e na conscientização da sociedade; projetos escolares os quais abordassem a importância da atenção à saúde mental; e o estímulo ao debate social acerca da relação entre os problemas da mente humana e os estereótipos que os cercam. Todas essas ações seriam colocadas em prática pela sociedade civil, pela mídia, pelas escolas, pelos Ministérios da Saúde e da Educação, entre outros agentes.

Por fim, podemos afirmar que o tema da redação do Enem 2020 foi de grande relevância, absoluta necessidade e, de certa forma, tranquilo para – não todos, infelizmente – os candidatos. Dessa forma, não só o Inep (O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), mas também o MEC merecem aplausos pela escolha de um dos melhores temas da história do exame.


Deniel Martins Batista. Graduado em Letras pela Faculdade Sete de Setembro – FASETE; Professor